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Tema abolicionista incomodou
censores da ditadura

Por Beatriz Passarella

Presidente Ernesto Geisel/Reprodução 

Em 1976, ano de estreia da “Escrava Isaura”, o Brasil vivia o processo de abertura “lenta, gradual e segura” iniciada por Ernesto Geisel. Mesmo assim, a novela e seu caráter abolicionista não escaparam do crivo da censura. Após uma reunião em Brasília com censores, o autor Gilberto Braga precisou omitir a palavra “escravo” para que a novela pudesse seguir no ar. Em entrevista ao GLOBO, em 2014, o autor relatou as dificuldades enfrentadas: - Para a censora, o tema da escravidão era “muito bom para fazer ilações com a política” e era exatamente isso que eu estava fazendo ali.

 

Durante os mais de 20 anos de ditadura, a censura se fez majoritariamente de duas formas: a autocensura e a censura prévia.  A primeira consistia em proibições emitidas pela Polícia Federal, designando termos e assuntos a serem suprimidos dos veículos de comunicação. A segunda e mais conhecida, vetava circulação de jornais com matérias subversivas, ou novelas. Também em 1976, Saramandaia, de Dias Gomes, foi uma das que conseguiu driblar a censura com metáforas e simbolismo.

 

Apesar de ter sido publicado em 1875, e transformado em novela mais de 100 anos depois, “Escrava Isaura” representou mais do que a audácia do autor em retratar um tema delicado para a sociedade brasileira, foi também o retrato de uma época. A trama questionava muitas questões em voga na época da exibição, como por exemplo, a violência contra a mulher, a escravidão e os direitos humanos.  Isaura era uma escrava branca, com caráter e virtudes nobres, que não caía na lábia de seu senhor e dos homens ao redor. Estes tópicos não incomodavam só aos censores, mas questionavam a conduta da sociedade brasileira como um todo.

 

Na década de 1970, o mundo encontrava-se repartido: de um lado os Estados Unidos e a doutrina capitalista, e do outro a União Soviética, com o comunismo. A nova configuração influenciou o desenrolar da crise política no Brasil. O país vivia um regime ditatorial, administrado por presidentes militares, sofria com uma repressão severa a qualquer manifestação considerada subversiva. Apesar de os meios de comunicação terem sofrido maciçamente com a censura, os jornalistas e produtores de conteúdo, como diretores de novelas, por exemplo, encontraram maneiras de burlar a repressão.

 “Durante o período da ditadura, os autores já viam nas novelas a oportunidade de lutar contra o sistema, apresentando novas ideias e valores. ”, explica Alberto Chong, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Em entrevista à revista Época, em 2009, ele ressaltou o papel social das telenovelas no Brasil. Segundo ele, são recorrentes críticas à religião, ao machismo e consumo de luxo. E o centro destas transformações é a família: “As novelas são um instrumento muito poderoso na formação de um modelo bastante específico de família: branca, saudável, urbana, bonita, consumista – e pequena”.

A influência do gênero no cotidiano brasileiro é tamanha que explica a queda nos níveis de fertilidade no país, de acordo com pesquisa do BID. Segundo Chong , para que a trama se desenvolva, são necessários pelo menos cinco ou seis núcleos e nenhum pode ser grande demais. O economista acrescenta que esta configuração reduzida não existia, mas que a repetida exposição de um perfil familiar influenciou na preferência por menos filhos.

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