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LEIS E CAMPANHAS NÃO REDUZIRAM VIOLÊNCIA

Por Tauã Wiltshire

No caso da empregada doméstica Jandira Macedo, de 67 anos a história ultrapassa gerações. O filho dela mais velho também bate na mulher. Moradora do Cantagalo no Rio de Janeiro e casada há 44, veio de João Pessoa tentar a vida como doméstica aos 15 anos. Nos primeiros anos de casamento começou a apanhar do marido principalmente por divergências na criação das crianças. Enquanto os filhos cresciam a violência acabou mas deixou marcas no corpo e no psicológico.

A violência contra a mulher, mesmo com as campanhas de combate do governo, tem aumentado com o passar dos anos. A lei Maria da Penha, por exemplo, é fundamental para a assistência dessas mulheres que sofrem agressão. A maioria dos casos da delegacia contra a mulher relatam abusos físicos feitos principalmente por homens próximos às vítimas. Ana Luiza, 24 anos, também apanhou do ex-namorado. Ana conta que as primeiras agressões foram por ciúme. O que começou com beliscões e empurrões terminou com ela jogada na calçada e com a nuca machucada por ter batido do meio-fio. Depois de o namorado ir preso ela ainda voltou para ele, mas a violência continuou até os dois terminarem de vez.

Ana Luiza, 24 anos/ Arquivo Pessoal

A socióloga Ângela Weber, tem um artigo publicado sobre o tema e alertou para o problema ser muito mais grave que apenas a violência física. Segundo ela, o maior problema são os danos psicológicos, que se não tratados podem causar problemas para o resto da vida. “Conheço várias mulheres cujas famílias não deram apoio porque no fundo a culpa era delas por não serem "boas", conheço muitas outras que foram destratadas quando buscaram apoio em uma delegacia, mesmo da mulher. Tantas histórias. Tanto sofrimento. Mas colocar essas histórias na mídia, falar o que está acontecendo, denunciar, responder a questionários sobre o assunto, sempre pode abrir uma brecha, criar uma perspectiva melhor para nossos filhos e filhas, violadores e violados, presos em uma forma de agir e pensar que os leva a atos inconsequentes e   danosos. Denunciar, denunciar, denunciar! E ajudar as mulheres criar uma nova atitude, porque normalmente de um lar violento surgem filhos violentos e mulheres submissas. Compreender essa falácia é um dever social de cada um de nós”.

Ana conta que na primeira vez que foi agredida ficou em choque “nossa relação já estava bem desgastada, muito ciúme e brigas dos dois lados, e ele tinha voltado a morar na mesma cidade que eu há pouco tempo, então não estávamos tão acostumados com frequência que estávamos ficando juntos, eu me adaptei rápido, porque amava ele demais, tudo que eu queria era ele do meu lado o tempo todo, e isso não deu certo... Ele começou com uns empurrões, pegadas mais fortes nos braços, depois passou pra uns beliscões, até o dia que ele perdeu a cabeça. As agressões não tinham frequência, porque logo depois da primeira nós nos separamos, ele foi preso, e ficamos uns meses longe, até que eu decidi que não conseguia ficar sem ele, que não aguentava mais de saudade, mesmo sabendo tudo de ruim que ele tinha me feito. Alguma coisa dentro de mim não me deixava ficar longe dele. Eu resolvi procura-lo de novo, nós reatamos em segredo, e foi assim durante uns bons meses. Nenhuma agressão voltou a se repetir, eu achei que ele tinha mudado e que tudo podia voltar a ser como era, aí eu resolvi contar para a família... foi uma decepção para todo mundo, mas eu passei por cima de tudo e fiquei com ele. Depois de um tempo as agressões voltaram a acontecer. Em nenhum momento eu achei que a culpa era minha, eu ficava tentando entender porque ele fazia aquilo comigo se ele dizia que me amava tanto, que não vivia sem mim... acho que essa minha dúvida é que não me deixava sair fora daquilo, porque eu ficava perguntando para ele, tentando entender, e ele sempre agia como se nada tivesse acontecido, e ia ficando irritado não querendo falar sobre o assunto. Eu sabia que o problema era com ele, e não comigo e tentava ajudar ele de alguma forma, mais sempre em vão. Eu não mudaria muita coisa no passado, porque tudo o que houve me fez aprender e amadurecer como pessoa, acho que que só mudaria o fato de ter insistido tanto em um erro, e também teria terminado com ele na primeira traição... teria evitado muito sofrimento... Não só meu, mas da minha família, da mãe dele, enfim, no fim das contas eu mudaria tudo né, porque a primeira traição foi no segundo mês de namoro”.

 

Ainda de acordo com a socióloga, a única saída para que possamos alcançar a igualdade verdadeira entre gêneros é a educação. Todo o mecanismo da sociedade está baseado no ser masculino e para que isso mude, é fundamental que seja ensinado desde criança. Só então, aos poucos, mudar o sistema machista que impõe valores de inferioridade à mulher.

 

 A vereadora Marielle Franco, formada em sociologia pela PUC-Rio, luta na câmara do Rio de Janeiro por investimentos em prevenção à violência imposta às mulheres “ precisamos apostar em políticas públicas que garantam a isonomia em todos os ambientes sociais, seja na escola, no trabalho ou em casa”. Marielle também alerta para que a única solução para esse problema tão presente na nossa sociedade é a educação.

 

A violência contra a mulher está descrita em registros desde antes da Grécia antiga. Em todas as sociedades até 2016 mulheres sofrem abusos por terem sido consideradas pelos homens o sexo frágil. Título que até mesmo algumas mulheres fazem questão de enaltecer. Começou no tempo das cavernas e por isso é tão difícil modificar as engrenagens. Desde 1954, quando a ONU colocou em papel que todos os seres humanos são iguais independente de sexo que várias campanhas e leis ao redor do mundo foram criadas para assegurar os direitos delas.

 

Maria Gambardelli do coletivo Feminicidade, apesar de achar que a luta contra a violência continua, enaltece que a sociedade já evoluiu muito. “Temos visto um grande movimento por parte das mulheres contra a violência sofrida e uma melhora na conscientização masculina. Ainda não é o ideal, mas temos evoluído bastante. Os dados colocam o Brasil como um dos países mais violentos do mundo. Por outro lado temos as ONGs que atuam em defesa das mulheres, o Disque 180, as campanhas do laço branco – homens pelo fim da violência contra a mulher – e dos 16 dias de ativismo, as conferências para estabelecer políticas públicas para mulheres, os núcleos de mulheres nos sindicatos, a implantação da Casa da Mulher Brasileira, o pacto pelo fim da violência, o fortalecimento da rede de enfrentamento à violência, entre outros. O Enem, por exemplo, no último ano trouxe a discussão sobre a violência contra a mulher e a discriminação tanto na redação como em questões que abordaram o feminismo. Ainda há, além da legislação mais rigorosa e políticas públicas para mulheres, a necessidade de campanhas de conscientização para combater a violência contra a mulher. A sociedade vem evoluindo em alguns pontos, mas a luta continua. Há algum tempo nós não votávamos, né? Em março de 2015, foi aprovada a Lei do Feminicídio, que pune com mais rigor o crime praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Ações da Lei Maria da Penha foram aprimoradas com a criação de varas especiais da mulher em várias cidades. Tivemos a criação de diversos coletivos feministas, o que é fundamental para a luta das mulheres. Em parte, é complicado falar sobre avanços pois o conservadorismo e o machismo se fizeram presentes em várias situações. A grande vantagem é que a reação dos movimentos de mulheres a todas essas situações foi imediata. Criamos a campanha “pílula fica” e pelo aborto legal; fizemos uso das redes sociais digitais para tratar questões como o assédio sexual; e marcamos presença em todas as câmaras municipais e assembleias estaduais.

 

Ângela é assídua das lutas contra a violência contra a mulher “O papel da mulher, principalmente dentro de grupos religiosos, constituem em um estereótipo muito difícil de quebrar: temos que ser "boas" esposas, mães, filhas, etc. Esse "boa" relega as mulheres a papéis de seguidores de regras impostas e ditadas pela sociedade e pelos grupos onde vivem”. Além da estrutura social, que permite que a mulher seja agredida, a socióloga chama atenção que a violência física contra a mulher é só a ponta de um iceberg muito maior. As diversas formas de violência podem ser as mais sutis, fazem parte de uma cultura que está enraizada na principal estrutura que constitui o ser humano.

 

 O problema mexe com a estrutura da sociedade, de como a conhecemos hoje. A palavra resistir vem de reexistir, ou seja, assim como minorias, a mulher tem que lutar pelo seu espaço de formas diferentes, de todos os lados acharem formas de resistir para criar um espaço num mundo que tenta abafá-las. Ângela explica que desde que os movimentos feministas surgiram a mulher ganhou espaço na sociedade “Desde que os movimentos feministas começaram a ter visibilidade e importância mundial, tivemos ganhos significativos, econômicos, sociais e políticos. Mas as estruturas continuam as mesmas, sem mudanças significativas para dar espaço a outras perspectivas... a mulher atualmente enfrenta uma árdua tarefa e muitas vezes o dilema de ter que fazer opções completamente excludentes no ponto de vista emocional, tal como, cuidar do filho doente ou comparecer à reunião de trabalho importante, acompanhar o marido em seu novo emprego e perder sua oportunidade de promoção ou ficar e dividir a família.

 

Ana Luiza e Jandira tem vidas que poderiam ser bem diferentes se comparadas sem lupas. Mas quando nos aproximamos, vemos que a história é a mesma. Mulheres sofrem abuso físico e psíquico vindos de homens que no início elas amavam. Ana Luiza diz que mudou muito durante o relacionamento com o seu agressor “minha vida não tinha mais sentido se não tivesse ele, ele me deixou dependente dele, porque eu achava que ninguém mais ia me querer, que depois disso tudo que eu passei eu não ia conseguir mais construir alguma coisa com outra pessoa, não sei se era por vergonha das pessoas saberem de tudo, e saberem que continuei com ele mesmo ele me batendo”. Jandira que ainda é casada com o homem que a batia, verbo no passado porque há muito tempo não bate mais, conta que não denunciava o marido porque moravam no morro e lá quem resolve essas coisas é a facção criminosa da vez, além de que se sentia desleal ao pai dos filhos tal qual uma traição “uma vez ele quebrou minha cabeça por que eu não tinha limpado nossa filha”.

Maria defende que a mulher não pode se calar em caso de agressão e explica como procurar ajuda “Primeiramente ligar para o 180, criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República que serve como canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país. O Disque 190 é a porta principal de acesso aos serviços que integram a rede nacional de enfrentamento à violência contra a mulher, sob amparo da Lei Maria da Penha, e base de dados privilegiada para a formulação das políticas do governo federal nessa área. É possível procurar coletivos, grupos de apoio, chamar a polícia. A mulher só não pode se calar ”. Cada caso é um caso, e por isso, a situação deve ser analisada com cuidado. Na maioria das vezes mulheres se calam por seus agressores serem pessoas que tem algum poder e/ou influência sobre a vítima, muitas vezes a mulher agredida não sabe como agir por depender financeiramente do seu algoz, ou tentar manter a família, ou pela religião. Vários são os motivos que as levam ao silêncio, e a única esperança é a reeducação e reestruturação da sociedade. 

Jandira, 67 anos

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